Que não nos falte coragem de pular
Solo branquinho coberto de neve. Bota escorregando a cada passo. Montanhas grandiosas de Interlaken, na Suíça, como plano de fundo. Coração na boca. Frio na barriga. Aquela última olhada para trás e um sorriso que dizia em silêncio “eu te amo” à Stephanie, sem saber o que viria depois. Definitivamente, a preparação para saltar de parapente despertou uma das sensações mais controversas que eu já senti, mas, sinceramente, muito semelhante ao mal-estar que precede encarar desafios profissionais que me metem medo. O não saber é enlouquecedor.
Eu nunca tinha feito essa comparação até a cineasta Ramata-Toulaye Sy me dizer que eu não deveria ter medo de me jogar no precipício. O contexto do conselho era o seguinte: uma semana em que eu estava em dúvida se as pessoas vão interpretar da forma correta o que eu quero dizer com o meu livro. E o que seria a “forma correta”, né, se cada um interpreta as mensagens que recebe de acordo com a própria bagagem ou momento de vida – e eu sei disso. “A gente tem medo do que os nossos pais vão achar, questiona se os nossos amigos vão continuar nos admirando e fica com receio das críticas do público, sem perceber que toda essa preocupação é o que nos impede de ultrapassar a régua que nos torna excelentes”, disse Ramata olhando profundamente nos meus olhos marejados.
Sentada ali, com um bolo de chocolate na frente, eu só pensava como era especial ouvir aquilo de uma pessoa que se jogou, ao menos para mim, em seu filme Banel & Adama. Prestei atenção em cada palavra que ela cuidadosamente escolheu para me transmitir esse recado. Sei que elas foram escolhidas por conta das pausas e de seu olhar pensativo. Acho gentil quem usa pausas em momentos decisivos porque significa que, provavelmente, essa pessoa entende sobre o peso das palavras.
Você já pensou na sorte que é ter na vida alguém que nos encoraje a saltar, não pelo clichê, mas porque sabe que nós vamos dar um jeito de criar asas no caminho? É diferente de quem só incentiva por incentivar; igual aqueles que só ouvem para falar.
Levei essa conversa para a minha sessão de análise pensando em destacar uma outra questão, mas sabiamente a minha analista, a quem eu serei eternamente agradecida por manter os meus pés no chão e a minha mente cada vez mais ciente de quem eu sou e aceito, falou sobre uma das características narcisista que todo nós temos: a vontade de agradar. “Você não é unanimidade. Ninguém é unanimidade. Me aponta uma pessoa que seja unanimidade. Eu nunca vi alguém ganhar uma eleição com 100% dos votos...”. Enquanto ela falava, eu juro que tentei pensar numa pessoa que seria unânime. A única que veio à cabeça foi a Ivete Sangalo, acredita? É, eu acho que ela é a pessoa mais próxima de uma unanimidade; e ainda assim não é.
Somei a fala da Ramata com a da minha analista e o resultado foi CORAGEM, bem o tema do meu livro. É preciso ter coragem para seguir a nossa intuição; falar o que não agrada, mas é necessário; se expor ao julgamento; ser contra uma multidão que é a favor; contar uma história diferente do esperado.
Lembrei quão perigoso era desacelerar o passo antes de saltar de parapente no precipício. “Não pare de correr, não pare de correr” era o que gritava a equipe que me acompanhou. O processo da corrida, ainda que com medo, determina o sucesso do voo, embora sempre haja tempo de desistir. Mas, tecnicamente falando, o resultado pode ser fatal se a gente decidir mudar de rota no meio do salto; na vida, a fatalidade é desistir sem tentar; desistir sem pensar.
Será?
Que não nos falte coragem de pular;
e de desistir depois de pensar.
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Sugiro o TED Talk da Chimamanda Adichie: O perigo da história única.
Ler seu texto hoje me deu a dose exata de coragem que (quase sempre) me falta. Obrigada Lu.
O ar chega com esse abraço de Luana. Esse texto, como todos os outros, acaba dando sentido aos vazios. Obrigada, Lu ❤️